Observar a tudo com uma curiosidade meticulosa, insaciável e detalhista de um cenário tão fervoroso. Queria poder entender a mordacidade daquelas tolas criaturas a zanzar pela terra, tão mais completos de vazio do que matéria ou vida.
“Pobre ser humano” - pensou. Mas por que chorar? Deve ser por causa da chuva que impede de ver além da vidraça. Pode-se olhar lá fora e ver os casebres, a rua, os casarões: tudo construído, projetado. Tudo ordenado, lá fora e aqui, os cômodos, os móveis, as portas e os costumes que indicam se pode-se ultrapassá-las ou não. Um plano cartesiano traçado: do abstrato, do concreto e de onde eles se cruzam. Racionalizado. Matematizado. E assim, seguem os anos nos meses, estes nas semanas, estas por sua vez nas cento e sessenta e oito horas presas ao objeto de controle: do tempo e das vontades. Já não se faz o que se quer, há o atraso.
E ainda tem o carro, o trânsito, o cigarro, a FM, o trabalho, o computador, o carro, o trânsito, o cigarro, a escola, a nota, o telejornal, a ONU, o Jô Soares, o cão... Ocupação para não se pensar em nada. Mas é o domingo, está chovendo e assistir Tv é entediante.
Que louca concepção de mundo é essa, tão sujeita a verdades pressupostas e questionáveis! Pressupor o agir, o falar, o vestir, o trepar, como ser amigo, homem, mulher, feio, bonito, o competente, o ignorante, o maconheiro...Padronizar tudo, pôr a margem, não gostar do diferente, do outro, para depois amá-lo e vendê-lo.
A teia de relações tornou-se um vício onde o sentir não é tão prazeroso quanto o consumir, e talvez seja por isso que o tempo continua aprisionado no relógio, o saber no título, o amor no conceito, a distração na TV, a liberdade no não ver... Mas é domingo, está chovendo e existe algum motivo para chorar? Talvez seja possível, por alguns instantes, não deixar-se controlar, e então sorrir.
24/06/2008
Motivos?
Motivos